CANTO DE AMOR A M. * * * I Eu vi-a e minha alma antes de vê-la Sonhara-a linda como agora a vi; Nos puros olhos e na face bela, Dos meus sonhos a virgem conheci. Era a mesma expressão, o mesmo rosto, Os mesmos olhos só nadando em luz, E uns doces longes, como dum desgosto, Toldando a fronte que de amor seduz! E seu talhe era o mesmo, esbelto, airoso Como a palmeira que se ergue ao ar, Como a tulipa ao pôr-do-sol- saudoso, Mole vergando à viração do mar. Dera a mesma visão que eu dantes via, Quando a minha alma transbordava em fé; E nesta eu creio como na outra eu cria, Porque é a mesma visão, bem sei que é! No silêncio da noite a virgem vinha Soltas as tranças junto a mim dormir; E era bela, meu Deus, assim sozinha No seu sono d'infante inda a sorrir!... II Vi-a e não vi-a! Foi num só segundo Tal como a brisa ao perpassar na flor, Mas nesse instante resumi um mundo De sonhos de ouro e de encanto amor. O seu olhar não me cobriu d'afago, E minha imagem nem sequer guardou, Qual se reflete sobre a flor dum lago A branca nuvem que no céu passou. A sua vista espairecendo vaga, Quase indolente, não me viu, ai, não! Mas eu que sinto tão profunda a chaga Ainda a vejo como a vi então. Que rosto d'anjo, qual estátua antiga No altar erguida, já caído o véu! Que olhar de fogo, que a paixão instiga! Que níveo colo prometendo um céu. Vi-a e amei-a, que a minha alma ardente Em longos sonhos s sonhara assim; O ideal sublime, que eu criei na mente, Que em vão buscava e que encontrei por fim. III Pra ti, formosa, o meu sonhar de louco E o Dom fatal, que desde o berço é mea; Mas se os cantos da lira achares pouco, Pede-me a vida, porque tudo é teu. Se queres culto - como um crente adoro, Se preito queres - eu te caio aos pés, Se rires - rio, se chorares - choro, E bebo o pranto que banhar-te a tez. Dá-me em teus lábios um sorrir fagueiro, E desses olhos um volver, um só; E verás que meu estro, hoje rasteiro, Cantando amores s'erguerá do pó! Vem reclinar-te, como a flor pendida, Sobre este peito cuja voz calei: Pede-me um beijo... e tu terás, querida, Toda a paixão que para ti guardei. Do morto peito vem turbar a calma, Virgem, terás o que ninguém te dá; Em delírios d'amor dou-te a minha alma, Na terra, a vida, a eternidade - lá! IV Se tu, oh linda, em chama igual te abrasas, Oh! Não me tardes, não tardes, - vem! Da fantasia nas douradas asas Nós viveremos noutro mundo - além! De belos sonhos nosso amor povôo, Vida bebendo nos olhares teus; E como a garça que levanta o vôo, Minha alma em hinos falará com Deus! Juntas, unidas num estreito abraço, As nossas almas uma só serão; E a fronte enferma sobre o teu regaço Criará poemas d'imortal paixão! Oh! Vem, formosa, meu amor é santo, É grande e belo como é grande o mar. E doce e triste como d'harpa um canto Na corda extrema que já vai quebrar! Oh! Vem depressa, minha vida foge... Sou como o lírio que já murcho cai! Ampara o lírio que inda é tempo hoje! Orvalha o lírio que morrendo vai!...
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Canto de amor
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