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Fazendo sua Flecha

O arqueiro enche de ar os pulmões, prende a respiração, olha o alvo com a concentração que o tiro requer e relaxa os dedos, liberando a flecha, que, por sua vez, acerta o alvo com precisão. Isto pode não acontecer se você, um primitivista que convicção, ou por economia, não confeccionou a flecha com carinho, de forma a ter o balanço necessário para o vôo correto.
Flecha
Este artigo é a continuação do artigo que elaboramos sobre a construção de um arco primitivo. O arco sem a flecha para nada serve. Um é a razão da existência do outro e vice-versa., se bem que, se aumentarmos o comprimento da flecha, o seu diâmetro e, com um balanceamento correto, a poderemos usar com um lançador primitivo, o Atlatl, e fazê-la mortífera. Mas este é um assunto para estudarmos depois. Nossa meta é passar-lhe o conhecimento básico para elaboração da flecha – a munição do arco.

A MADEIRA

Embora, nos dias atuais, os materiais usados para elaboração de flechas estejam, de forma fantástica, extremamente modernos, que vão do alumínio aeronáutico ao grafite e carbono, extremamente resistentes, sobremaneira duráveis, iremos nos ater ao mais simples e original elemento para a elaboração de nossas flechas: a madeira. Isto porque o arco primitivo requer, em sua essência, uma flecha que “case” com sua característica original. Arco de madeira – flecha de madeira. É claro que você pode optar por atirar com flechas de material moderno e a performance poderá ser até melhor. Alguns tradicionalistas mais iminentes atiram com flechas de alumínio e fazem muito bem (ótimamente bem, eu diria), como o famoso Bayron Ferguson. Mas, o elemento chave da questão é o prazer de você atirar uma flecha que você mesmo fez. E, se ela tiver uma trajetória perfeita, conforme você espera que tenha, a satisfação é indescritível.
No Brasil, temos várias madeiras pela qual você poderá optar. Você poderá iniciar com o Pinho de Riga, muito usado em cartelas de tecidos, e passar pelo Cedro, Pau-Brasil (usado também na confecção do próprio arco) e a aromática e bonita Cerejeira. Em minha experiência, o pinho é muito fácil de trabalhar. Para principiantes, é o melhor. É excelente para arcos de menor potência. Contudo, não perdoa as más “largadas” (quando você relaxa os dedos para soltar a corda do arco, ao atirar). A mais tolerante e resistente, de todas que experimentei, foi a Cerejeira. Muito cheirosa e de uma cor amarelada, ela é extremamente flexível e a que mais tolerou minhas más largadas, quebrando menos.

O PARADOXO

Quando você puxa a corda do seu arco e mira o alvo, imagine uma linha que se inicia na rabeira (nock) e vai até a ponta da flecha. Estendendo esta linha imaginária até o alvo – ela passará à esquerda do alvo. Veja bem, neste caso você não é um arqueiro canhoto. Se for, a linha imaginária passará à direita do alvo. Arcos primitivos, principalmente o estilo longbow, não são arcos de tiro centralizado como os arcos compostos modernos. Você passa a flecha ao lado do arco e a flecha é atirada lateralmente ao arco e não no centro do arco. É o paradoxo: a flecha, ao ser atirada, começa por ser apontada fora da lateral do arco, flexiona como um peixe até sair do arco – e voa reta em frente.
Se a flecha não tiver esta flexibilidade, ela irá chocar-se contra a lateral do arco e, em vez de cessar a flexão, ela irá se flexionando para um lado e para outro (ela vai para um lado, a pena tenta estabilizar e a flecha volta para outro lado, e vice-versa) até o alvo, em tal impacto em forma lateral que, ao penetrar no alvo, irá pender-se de tal forma para um lado e poderá quebrar-se, em vez de apenas vibrar, tendo em vista a força cinética impetrado pelo arco. Se não quebrar, irá ficar pendida de lado, em vez de ficar reta, alinhada com o alvo.

AS VARETAS

Qualquer que seja a madeira escolhida, o importante é você se certificar se ela está bem seca (não muito seca, pois quebrará com facilidade), e cortada seguindo as linhas de linhas de crescimento do tronco da madeira, como no caso do corte para arco. Seguindo este processo, será resistente e não emborcará tão fácil. Se a madeira estiver úmida, ela emborcará facilmente, arruinando a flecha.
Primeiramente, você precisa conhecer o tamanho das flechas que irá precisar. De posse de seu arco, uma fita métrica em polegadas (ou centímetros), e um amigo, segure o seu arco como se fosse atirar (não precisa encordoar o seu arco), puxando a fictícia corta do arco até o seu queixo, ou até onde você costuma puxar para atirar (varia de arqueiro para arqueiro) e peça ao amigo para medir do punho no arco até os seus dedos no queixo. Adicione duas polegadas para a ponta (ou os centímetros correspondentes. Eu uso polegadas por pura comodidade. É o sistema métrico usual no arqueirismo mundial).
O diâmetro da flecha vai depender da potência de seu arco. Se for um arco muito forte, diâmetro maior, é a lógica. Levando em conta que você é iniciante e, com certeza, o seu arco primitivo estará em uma potência entre 30 a 50 libras, o ideal é usar uma flecha de diâmetro de 5/16 a 11/32 polegadas. Isto é, entre 7,93 mm a 8,73 mm de diâmetro. Se usar pontas de alvo de aço (field points) prontas para uso, vendidas em lojas do ramo, irão servir, com um pouco de adaptação. Neste caso, o ideal é saber qual o diâmetro correto de suas flechas antes comprá-las.
O próximo passo é você elaborar um Jig (gabarito). Veja bem, os termos em inglês são usados aqui para você ir se familiarizando com a linguagem mundial do arco e flecha, já que nós, brasileiros, estamos assimilando o know-how milenar deles no esporte, e você, caso queira se enveredar pelo mundo da internet, irá encontrar muita coisa .....na língua inglesa!
O Jig em questão aqui é o de uso muito antigo, bem medieval. É chamado, em inglês, de “Shuting Board”. Consiste em dois caibros de madeira de cinco centímetros de largura cada um, pelo tamanho da flecha que você irá confeccionar. Cada caibro sofrerá, em uma das extremidades, um chanfro, no sentido longitudinal, em forma de cunha, os quais, quando ajuntados, com os chanfros de maneira oposta entre si, terão uma profundidade de 6,5 centímetros, mais ou menos. Lança-se mão de uma pequena placa de madeira cortada na forma quadrada de 10x10x2 centímetros e cola-se em uma das extremidades dos caibros. Você poderá parafusar, se quiser, não importa a forma de unir os caibros e a placa de madeira. Olhando de cima, o Jig deverá estar parecendo uma canaleta em profundidade triangular, devido aos chanfros, com uma das extremidades da canaleta livre e a outra tampada pela placa. A finalidade da placa é frear a vareta, em uma das extremidades, para aparelhá-la. Para cilindrar uma vareta de 1,5x1,5 de espessura - é bastante simples:
1) Ponha a vareta na canaleta
2) Aplaine uma quina da vareta com uma raspadeira (poderá usar até um caco de vidro, mas, cuidado! Lembre-se que se você cortar algum tendão dos dedos, pode dizer adeus ao arco e flecha!)
3) Vire então a vareta um quarto de volta e aplaine a próxima quina
4) Faça isto novamente até ter 8 quinas na vareta
5) Idem até ter 16 quinas e assim por diante.
Faça uma averiguação do diâmetro constantemente. Quando você tiver a vareta o mais cilíndrico possível, lixe bem a vareta. Não se preocupe se a vareta não ficou perfeitamente cilíndrica. As imperfeições internas-esportes da madeira afetam muito mais o vôo da flecha do que uma pequena área externa imperfeita. Mas se você quiser uma vareta o mais próximo do ideal, você tem mais um recurso. Faça um segundo pequeno Jig que consiste em um furo, em uma pequena peça de madeira de 8x3x2 cm, na medida do diâmetro da flecha que você deseja (uma broca de furadeira na medida certa, adquirida em uma loja própria facilitará isto). A medida em que for lixando a vareta, passe a vareta pelo furo do Jig feito e vá checando as bordas. Onde a vareta não passar pelo furo, marque com um lápis e lixe até conseguir passá-la pelo furo do Jig. Faça assim até a vareta passar livremente pelo furo, sem impedimento e a vareta estará o mais próximo do ideal.
Outro recurso para fazer varetas cilíndricas de flechas é bem mais moderno e bem mais cômodo, mas muito mais caro. Consiste em você encomendar a um torneiro mecânico que faça um torno para cabides, mas com as facas apropriadas para sua medida de diâmetro de suas flechas. Adicione um bom motor elétrico e uma bancada e pronto. Creio eu que um arqueiro primitivista irá pautar pela solução mais barata e recompensadora, embora mais trabalhosa.

RABEIRAS (NOCK’S)

A rabeira (nock: atenha-se ao nome em inglês, pois poderei usá-lo tanto um como outro), é o lugar onde a corda do arco assenta-se para transmitir à flecha a energia estocada pela “mola” retesada de seus braços (braço: parte superior e inferior de um arco, acima e abaixo do punho). Essa energia transmitida pela corda é que irá impelir a flecha. É extremamente brusca nos arcos primitivos, decrescendo sua força à medida que a corda volta ao repouso. Nos arcos compostos modernos, os quais usam roldanas para estocar a energia acumulada pelos braços do arco, o sentido é inverso devido ao let-off (let-off: é a quebra brusca de potência/energia que as roldanas do arco composto concedem ao arco, diminuindo a sua força em 50, 60, 65 e até mesmo 80% de sua potência total). Nesses arcos, quando solta-se a corda, a potência do arco é retomada de força brusca, porém aumentando sua velocidade gradativamente até o máximo, o que ocorre até finalmente a corda encontrar-se em repouso. Assim, depreende-se que, com estes mecanismos, se dois arcos de igual potência, um primitivo/tradicional e um composto, o arco composto lançará a flecha a uma velocidade maior, embora a potência seja similar ao arco primitivo ou tradicional.
Em face desta enorme energia transmitida à flecha ser aplicada ao nock, este necessita ser fortalecido, pois, do contrário, não resistirá. Se uma corda cortar a flecha ao meio, pela sua desguarnecida rabeira, a energia que haveria de ser transmitida à flecha é aplicada ao arco danificando-o, tendo a sua corda partida, para dizer que este seria o mínimo dano provável.
Há várias formas pelas quais se pode fortalecer o nock. No entanto, antes de fazê-lo, como abrir o nock na vareta da flecha?
Primeiro ponto: você precisa obedecer às linhas de crescimento da madeira. Isto é, lembre-se sempre de uma camada de molas uma sobre a outra. São os anéis de crescimento da madeira. Cada anel, um ano de vida. Por isto as madeiras com uma camada de linhas mais condensada umas às outras são mais fortes e resistem mais à quebra, pois são mais flexíveis.
Segundo ponto: se você cortou as varetas das flechas obedecendo este critério, como foi recomendado no princípio, pegue uma vareta e escolha o lado que irá ser a ponta e a rabeira. Escolhido o lado, observe as linhas de crescimento da madeira. Elas deverão parecer como várias camadas umas às outras, como especificado. Observando as camadas no sentido horizontal, trace, com o lápis, no sentido vertical contrário às linhas, o lugar em que irá abrir o nock.
Terceiro ponto: Com a linha para o nock marcado na vareta, pegue três ceguetas (lâminas de serra 18 ou 24 para cortar metais) e prenda-as juntas com uma fita adesiva. Elas abrirão um corte de 3/32”, aproximadamente, na vareta. Antes, marque a profundidade, com um lápis, de aproximadamente 3/8”. Você pode optar por ter um nock mais profundo nas suas flechas, garantindo que não vão escapulir da corda.
Quarto ponto: Prenda a vareta em uma bancada de serviço ou em uma mesa de cozinha, com um sargento (clamp), daqueles usados em marcenarias. Tenha o especial cuidado para que os sargentos não danifiquem a vareta, tão cuidadosamente elaborada. Cubra-a com um pedaço de couro ou borracha macia, antes de prendê-la com o sargento. Se você tiver uma morsa, tudo bem. Os cuidados para não danificar a vareta são os mesmos.
Quinto ponto: Com as três serras atadas com fita adesiva (aquelas usadas para tapar buracos em tênis dos filhos adolescentes são ótimas!) faça, cautelosamente, o corte do nock, em medidas laterais iguais (ponha as serras em cima da vareta e, centralizando, risque com o lápis de um lado e do outro) para não fazer um lado do nock mais fino que o outro, até a profundidade desejada. Faça isto com as varetas restantes. Dica: treine antes em uma vareta que foi descartada, para você sentir-se seguro e não prejudicar todo o trabalho nas varetas.
Sexto ponto: Com a abertura do nock pronto, de posse de uma lima tamanho médio, você passa então a dar o acabamento nas bordas da madeira, no fundo do corte, aplainando bem. Feito isto, com uma lixa de granulação fina finalize o serviço.
Sétimo ponto: O ponto mais fraco de um nock não reforçado é o leito, onde a corda faz o contato com a vareta. Se o nock falha é no leito que ele racha. Portanto é de extrema importância você reforçar o nock. Há várias maneiras de reforçar o nock, mas a mais simples é você passar uma linha de espessura duas vezes mais grossa do que uma linha de costura, de preferência aquelas usadas em confecção de estofados de carros. Primeiramente enrole, de forma simétrica (não faça um novelo de lã, enrole cada volta corretamente) a base do nock para firmar a linha. Depois passe a linha no leito do nock e de cada lado, simetricamente, até você sentir que está firme e apresentando bem à vista. Desça simetricamente cerca um centímetro e meio e fixe a ponta com uma fita adesiva.
Oitavo ponto: Prepare uma cola epóxi de secagem rápida, tipo 5 minutos e aplique sobre a linha, cobrindo toda sua extensão. A finalidade é fixar não só a ponta da linha, mas proteger todo o enrolamento. Pronto. Você agora dispõe de um nock durável. Agindo assim, você vai notar que a flecha pode até quebrar, estragar, perder as penas – antes de estragar o nock.
Existem outras formas de se reforçar os nocks, usando, inclusive a técnica de se fazer uma cunha de madeira dura e inserir na ponta da vareta antes de fazer o nock. É trabalhoso, mas eficaz. A forma anterior é mais fácil de se fazer.

ENDIREITAMENTO DA VARETA

Um dos maiores problemas encontrados por aqueles que usam flechas de madeira é a facilidade com que elas se entortam com a ação do tempo e umidade. Isto pode ser resolvido com alguns cuidados, os quais o arqueiro primitivista deve prestar especial atenção.
Existem duas maneiras de endireitar uma boa vareta de flecha. A forma mais primitiva possível, consiste em você acender uma chama no fogão de cozinha, ou qualquer outra forma de se obter uma chama segura e sobrepô-la, a uma distância que não chamusque a madeira da vareta. Com o esquentamento, as fibras da madeira tornam-se maleáveis, apropriadas para você endireitar. O trabalho é todo feito no “olhômetro”, pois você submete o local torto da vareta ao calor e aplica uma força regular naquele lugar, tomando cuidado para não quebrá-la. Fazendo assim, a madeira assumirá uma forma retilínea.
Outra forma de se endireitar uma vareta torta é você confeccionar um gancho de metal, não ferroso, na forma e tamanho de um gancho de cabides e inseri-lo em um cabo de madeira. De posse de uma vareta torta, marque o ponto mais torto da vareta com um lápis, vire a parte torta para cima e, com o gancho – esfregue-o, friccionando rapidamente para obter calor e forçando-a para baixo simultaneamente. Aos poucos você notará que o calor obtido pela fricção do gancho na madeira e a pressão no sentido antagônico à parte torta - irá tornando a vareta reta.
Com suas varetas prontas, uma dúzia mais ou menos, você desejará mantê-las protegidas da umidade, impedindo que elas entortem novamente. Você tem um caminho seguro a trilhar para obter este resultado. Não perca tempo passando óleo de peroba ou qualquer outro óleo nas varetas. O melhor caminho é você usar uma seladora de boa qualidade, destas que se compram em lojas para marcenarias. Uma boa esfregada de acetona para tirar a gordura superficial da madeira e mais umas duas demãos de seladora, acompanhadas de uma boa lixada farão com as varetas fiquem protegidas contra a umidade. Os americanos usam um conteiner cheio de seladora, no qual deixam as varetas imersas por 12 a 24 horas e as retiram para secar. É claro que a imersão dará total garantia contra umidade. Eu, pessoalmente, usei a primeira opção sem maiores problemas com umidade. Se uma das flechas, devido ao tempo, teimava em entortar-se, eu simplesmente esquentava-a ao fogo e a desentortava. Estava pronta para ser usada.

PONTAS

Hoje temos vários tipos de pontas, para alvo estático, à venda em lojas de materiais para arco e flecha, nacional e estrangeiras. Você pode mandar fazê-las em um torneiro mecânico ou adquiri-las prontas. Os primitivos arqueiros usavam do osso ao metal. Todas funcionando muito bem, com algumas restrições.
Como você irá querer uma durabilidade maior nas pontas de treino, será bom comprar as “field points” para suas flechas. Caso você quebre alguma flecha, poderá retirá-las da vareta esquentando a ponta no fogo e puxando com um alicate. Cole-as sempre com Araldite.
As pontas de treino tem uma vantagem: você pode aproveitá-las para fazer pontas de caça. O processo é simples. Primeiramente você necessita de encontrar aquelas tiras de aço grossas que as firmas que vendem tubos de irrigação e canalização de grosso calibre, a usam para transportá-las. As molas de portas de aço são inviáveis. São extremamente endurecidas para a finalidade que se propõem e não há serra que as serre sem primeiro destemperar.
Serre, então, com uma cegueta para metal, as tiras de aço em tamanhos 5 ou 6 centímetros. Desenhe, com uma caneta para retroprojetores, uma ponta triangular em cada pedaço. Note bem: não é apenas desenhar a forma triangular na peça. Meça com a régua o centro, marque, tire uma linha central, das extremidades inferiores da peça trace duas retas até o centro marcado na parte superior e pronto. Mantenha sempre as medidas, as quais podem variar dependendo do tamanho da ponta. Coloque, a seguir, a peça em uma morsa e com uma lima dê o ponto de inicio para a cegueta e serre seguindo as linhas das extremidades desenhadas. Você terá, após o corte, uma peça triangular de 3x5 cm (as medidas variam com o tamanho da ponta que desejar). Separe de lado e faça o mesmo com as outras peças. Passo seguinte é você dar o primeiro desbaste para o futuro afiamento.
Dica: Para melhor travamento da lâmina na ponta de treino, faça, na base da lâmina, um rebaixamento na medida um pouco maior que a largura maior da ponta de treino, ou seja, a base que vai “vestida” na vareta.
Quando você tiver todas as pontas prontas é hora de trabalhar a ponta de treino. Prenda uma ponta de treino na morsa de forma que a morsa não danifique a parte oca da ponta. Com uma lima, desbaste um pouco a ponta de treino. A seguir dê um pique, com a lima, na ponta desbastada, para abrir caminho para a cegueta. Pegue a cegueta e, com cuidado, abra a ponta de treino o suficiente para encaixar a lâmina de aço. Note bem: a parte que você irá abrir na ponta de treino é a parte densa e não a parte oca onde encaixa a vareta da flecha! Lembre-se de manter o corte reto, pois se você não tiver mão firme e manter uma trajetória reta com a cegueta, a lâmina não se assentará direito e ficará inutilizada para o tiro.
Possivelmente você terá que usar umas duas ceguetas juntas para que haja espaço suficiente para encaixar a lâmina. Isto feito, encaixe a lâmina e estando tudo de acordo com a especificação, retire a lâmina e fure com uma furadeira elétrica um pequeno furo, da grossura de um prego fino de, no máximo, 2 mm de espessura, na ponta de treino chanfrada. Vaze de um lado a outro. Pegue a lâmina novamente e insira na ponta de treino. Assente ela de forma que não penda para direita ou para a esquerda. A seguir, fure a lâmina através dos orifícios da ponta de treino na qual ela está assentada. Para finalizar, com um pedaço de prego cortado no tamanho certo, insira no buraco travando a lâmina na ponta de treino e uma pequena bigorna ou pedaço de ferro próprio para esta finalidade e martele em ambas as extremidades do pedaço de prego, rebitando-o. Desbaste com a lima ou no esmeril se ficou muito saliente.
Com a ponta pronta, é só afiar. Essas lâminas já vem zincadas e não precisa temperar para endurecê-las, pois sua dureza é suficiente para caça. Só certifique-se de que a lâmina está perfeitamente em ângulo reto com a ponta de treino para que a flecha não se desvie da trajetória. Você sabe, a ponta de caça é, na realidade uma pequena asa delta. Qualquer defeito na asa/lâmina, haverá planeio e desvio de trajetória.
Afie suas pontas como você afia uma faca de caça. Existem, no mercado estrangeiro, alguns artefatos específicos para afiação de lâminas de pontas de caça. Infelizmente, em nosso país, ainda não há fabricantes para esta artefato, pela óbvia razão de que o esporte (caça), em tese, não existe aqui.
Vale aqui uma pequena observação. Assisti, pesarosamente, um documentário sobre algumas tribos indígenas nacionais e constatei que estavam caçando com revólver e espingarda. Ao ver aquilo, senti um peso muito grande ao notar que os povos estão fazendo viagens inversas entre si, no que tange ao uso de armas para caçar. As facilidades da arma de fogo cativam os índios. Isto significa que a cultura indígena, no futuro, estará restrita somente à algumas danças. Se quisermos arcos e flechas indígenas autênticos, próprias para a caça, teremos que buscá-los junto aos índios Ianomânis, do contrário só teremos arcos e flechas confeccionados, para turistas, pelos Carajás e Xavantes. Tive oportunidade de ver bons arcos e flechas elaborados pelos índios Gaviões e Suiás. Será que esta arte sobreviverá? Enquanto o índio busca a arma de fogo – os civilizados buscam o arco e flecha para caçar.

PENAS

As penas são colocadas nas flechas por uma boa razão: estabilizar a flecha em vôo. Se as penas são colocadas de forma paralela à vareta, a flecha voará reta. Se você aplicar às penas um ligeiro ângulo, a flecha irá girar em seu eixo longitudinal . Isto dará à flecha uma trajetória mais acurada, mas, também, irá gerar mais turbulência. As penas com ligeiro ângulo são melhores para pequenas distâncias de tiros. Penas muito grandes e com ângulo aplicado é impróprio para longas distâncias, pois fará com que a flecha fique sujeita à ação de ventos e turbulências. Por outro lado, flechas equipadas com pontas de caça exigem penas de 4 ou 5 polegadas para serem estabilizadas.
Penas são o melhor material de se usar nas flechas. Os índios pigmeus, na África, são tão simples em seu material que usam simplesmente uma folha dobrada encaixada em um rasgo na madeira da flecha. Isto porque suas flechas são atiradas a uma distância muito curta e são, pelo seu pequeno tamanho, envenenadas, para que surja o efeito mortífero.
Para flechas bem tradicionais, o ideal é usarmos penas de pato, ganso ou, melhor ainda, de peru. Uma regra precisa ser observada: use penas somente de uma das asas. Asa direita ou asa esquerda. Jamais use penas das duas asas em uma mesma flecha. Aliás, nem mesmo entre uma flecha e outra. Se você tem um jogo de flechas, use todas elas de uma asa só. Penas das duas asas em flechas são incompatíveis entre si. Se você comprar penas importadas, é fácil checar se são todas de asa esquerda ou asa direita. As superfícies superiores e inferiores diferem entre si. Se não forem exatamente iguais, descarte.
Como um bom primitivista, você está de posse de um bom número de penas esquerdas ou direitas, retiradas de algum ganso ou peru descuidado, sem que ele tenha notado. Você pode, então, optar por dois métodos para separar as metades de cada pena.
Método 1> Pegue uma pena pela sua extremidade fina e, com os dedos indicadores e polegares você puxa de forma que uma parte descarta da outra parte em duas metades. Descarte a metade inferior.
Método 2> Pegue uma pena e prenda-a, pela parte de maior superfície, em duas metades de madeiras lisas e bem retas em uma morsa, ficando a superfície inferior para fora da morsa. Com um estilete você corta um pequeno pedaço da ponta dura da pena e corte fora, com o estilete, a partir da parte seccionada da ponta, a parte inferior da pena.
Após separadas as metades, você tem que preparar a base das penas para que elas tenham uma base bem plaina e aceite o assentamento, com a cola, na flecha. Isto se consegue lixando, com uma lixa fina a base até que fique corretamente plaina, sem imperfeições de corte. Se você a firmar, como no método 2, na morsa, para lixar, o serviço ficará mais fácil e rápido.
Isto feito, você deverá cortá-las no tamanho e desenho desejado. Há uma gama muito grande de desenhos de penas. Mas, a opção por desenhos simples ou mesmo o aspecto natural é desejável, em face da ausência de artefatos para essa finalidade. Os ingleses usavam o desenho muito parecido com os estabilizadores antigos de foguetes, ou seja, começa bem afilado, em um ângulo agudo, e só. Os índios americanos usavam o aspecto natural da pena, com a altura da superfície superior igual do início ao fim.
Para fixar as penas você terá que usar de muita paciência, pois a fixação correta das mesmas compensará sobremaneira o trabalho. Nada mais bonito do que uma flecha voando perfeita ao alvo. Quando conseguir esta performance você se lembrará destas palavras....
Depois de muito apanhar, desenvolvi um método simples para fixar as penas. No entanto, você, mesmo assim, precisará de um prendedor do tipo usado em pranchetas de anotações, ou um desses prendedores de trabalhos de escola, daqueles que são inseridos na margem esquerda de todo o conjunto do trabalho. Estes prendedores tem a faculdade de serem bem leves e prender a flecha de forma que deixa somente a base de fora.

FIXAÇÃO DAS PENAS

Você irá precisar de um cola tudo universal. É semelhante aos cola tubos pvc, porém de consistência mais grossa. O melhor deles é o da 3M. Sua consistência é elástica ao secar, não sai com água e é, aqui no Brasil, a melhor para colar penas.

Material

a) 2 barbantes finos ou linha grossa, cor branca
b) caneta ponta porosa
c) uma pequena régua para medidas em centímetros
d) cola 3M (cola tudo universal)
e) prendedor para as penas (no tamanho das penas)
f) relógio
g) morsa (para prender a vareta)

Passo 1

Limpe bem a área de suas flechas, onde irá colocar as penas, com um pano e acetona. Gorduras são inimigas de colas. Se uma colagem saiu mal feita e descolou penas, e a cola é nova, creia, você deixou gordura no local.

Passo 2

A primeira pena que você irá colar será a pena guia. Pode ser de outra cor ou com uma marca sua, feita com tinta de caneta, para identificá-la na hora de por a flecha na corda. A pena guia é colocada em um ângulo de 90 graus em relação ao eixo do nock, aberto para receber a corda. Ela ficará, quando você for atirar, paralelamente aos seus lábios, se a sua âncora de puxada da corda for junto ao canto da boca. Meça, portanto, com a régua, uns 2,5 cm - a partir da ponta do nock e marque ali um ponto com a caneta.

Passo 3

A partir do ponto marcado, meça a medida da pena. Marque o ponto.

Passo 4

Coloque agora a vareta marcada (marca para cima) em uma morsa para você melhor trabalhar a peça. Não vá danificar a vareta na morsa. Prenda-a com um pedaço de couro ou borracha macia.

Passo 5

Nos pontos marcados pela caneta ponta porosa, amarre agora os barbantes. Um em cada ponto marcado. Não dê nó cego. De um laço tipo laço de presentes, pois você irá aproveitar as marcas efetuadas no barbante para as outras flechas.

Passo 6

Com a caneta ponta porosa (as usadas em transparências de retroprojetores são ótimas) marque no barbante o local da pena guia. Ficará na lateral esquerda do nock, bem centralizada. Faça o mesmo com o barbante nº 2. Pronto. Este será o ponto de partida para você marcar os outros pontos.

Passo 7

Para marcar o 2º ponto, pegue como base a ponta extrema direita superior do nock direito. Note bem: não é o centro da lateral direita do nock, senão ficará igual à pena guia. Ele é no cantinho acima. Se você pegar um transferidor escolar e o colocar deitado na base do nock, com o zero grau ou 360º na marca da pena guia, a próxima pena estará a um ângulo de 120º e assim por diante. As penas estarão distantes uma da outra todas em ângulos de 120º. Com a régua partindo dessa extremidade, marque o 2º ponto no barbante nº1 (é o barbante que está amarrado próximo ao nock). Faça o mesmo, com a régua como auxiliar, no barbante nº 2.

Passo 8

Marque, finalmente, o 3º ponto para fixação da terceira pena no barbante nº1, tendo como base a ponta extrema direita inferior do nock direito. Faça o mesmo no barbante nº2.

Passo 9

Feito isto, você terá referências para as extremidades das penas. Pegue então o prendedor e introduza uma pena nele, deixando a base de fora. Limpe, com acetona, a gordura da base onde irá passar a cola.

Passo 10

Se você é destro, segure o prendedor com a pena, na mão esquerda e, com a direita, firme o bico do tubo de cola na base traseira da pena e passe a cola, levemente e em quantidade pequena, da traseira da pena em direção da ponta. Qualquer excesso de cola aqui é prejudicial. Faça isto com cuidado.

Passo 11

Agora, com as duas mãos, segure o prendedor com firmeza e cuidado e, a seguir, coloque-o nas referências 1 e 2 da pena guia da vareta da flecha e conte 5 minutos no relógio sem se mexer. Pronto. Retire o prendedor simplesmente puxando para o lado direito e ele se soltara da pena guia que estará colada.

Passo 12

Afrouxe a morsa e vire a vareta da flecha na posição superior das próximas referências e repita o processo.

Passo 13

Terminada a fixação das penas, retire a vareta da morsa e desamarre os barbantes. Pegue o tubo de cola e coloque uma gotinha pequena nas pontas e traseiras das penas. Isto evitará que as pontas se levantem, desprendendo-se por qualquer motivo. Agora cheque se estão bem colocadas, se não ficaram com a base levantada ao meio, etc. Se um local não foi cola suficiente, coloque ali uma gota fina de cola.
Completada toda a operação, disponha-as sobre a mesa e observe as simetrias. Este é o momento em que o coração pulsa mais forte e uma satisfação, sem par, toma conta de você. Aquela sensação de auto-suficiência não tem comparação.
Não se esmoreça diante de todo o trabalho de colocação das penas. É de suma importância você se esmerar na fixação das penas, pois todo o trabalho será recompensado quando você for atirar com elas. Um grito de guerra bem alto será o mínimo que você fará ao ver o vôo perfeito de suas flechas. Talvez você entoe um canto de guerra dos índios americanos, em retribuição ao seu milenar conhecimento a nós, pobres civilizados.....
Uma pequena observação: Outro método, talvez mais simples para a marcação da fixação das penas consiste em antes de fazer os nocks (rabeiras), você marcar os ângulos de 120º na vareta. Caso você queira dar um sentido helicoidal nas penas, para que ela gire a flecha no seu eixo longitudinal, o sistema é simples: quando amarrar o barbante nº2, não o faça apertado. Então, quando as marcas de 120º estiverem sido marcadas no mesmo, dê um pequeno giro de 1 ou 2 milímetros no barbante (não mais que isto, pois você precisaria de um prendedor curvo para fixar as penas). As pontas das penas, quando fixadas, estarão levemente giradas em relação à suas traseiras. Mas lembre-se: jamais gire o barbante no sentido inverso ao sentido natural das penas! Gire no sentido natural das penas de asa direita ou penas de asa esquerda.
Que suas flechas encontrem o alvo.....sempre!

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