A olho nu, as provas de 110m com barreiras (masculino) e 100m com barreiras (feminino) se parecem com corridas de velocidade, com 10 passadas modificadas para que seja possível a transposição da barreira. O barreirista passa sobre a barreira, retorna ao solo, e corre como um velocista para a próxima barreira. Durante a seletiva olímpica americana de 1988, trinta e um dos melhores barreiristas americanos de ambos os sexos, que estavam competindo em busca de uma vaga nos Jogos Olímpicos de Seul, foram estudados. Filmados a 50 quadros por segundo, digitalizados, e analisados em 3-D, os dados mostram que correr sobre barreiras não é o mesmo que correr em velocidade. Barreiristas de elite devem ter uma velocidade excelente, mas correr sobre barreiras requer adaptações em cada uma das quatro passadas.
DEFINIÇÃO DAS PASSADASCada ciclo completo nas provas com barreiras consiste de quatro passadas. Cada passada é subdividida em uma fase de apoio, seguida de uma fase aérea. A fim de facilitar a discussão, as passadas são nomeadas de acordo com suas funções primárias, como é mostrado na Figura 1. A barreira é transposta na passada de transposição (HS - hurdle step); a passada de aterrissagem (LS - landing step) é a primeira passada após a transposição da barreira, e é seguida pela passagem de recuperação (RS - recovery step). A passada que antecede a transposição da barreira é chamada de passada preparatória (PS - preparatory step). O tempo 10.00 é arbitrariamente designado para o início da passada de transposição. Veja a figura 1 para a seqüência típica, com as posições corporais desenhadas a cada 0,1 segundo. As áreas pretas na parte inferior da figura indicam períodos de apoio com o solo, e as áreas brancas representam as fases aéreas.
Figura 1
AMPLITUDE DAS PASSADAS E PARÂMETROS RELACIONADOS (DISTÂNCIAS HORIZONTAIS)
O intervalo entre as barreiras é de 9,14 metros na prova masculina, e de 8,50m na feminina. A amplitude de cada uma das quatro passadas pode ser vista na Figura 2. Os valores mostrados representam a média de 22 homens e 9 mulheres filmados. Cada valor é seguido pelo seu desvio-padrão, uma medida da dispersão da distribuição. As amplitudes de passada mostradas são muito similares aos encontrados em outros estudos.
O valor percentual abaixo de cada dado apresentado na figura 2 representa a fração da distância total do ciclo coberto naquela passada. A passada de transposição contribui com cerca de 40% da distância total na prova masculina, e quase 38% na feminina. Nas demais passadas, os valores relativos (percentuais) dos homens e mulheres são muito similares.
A distância do pé de apoio até a barreira (2,12m ± 0,14m para os homens, e 2,09m ± 0,14m para as mulheres) foi maior que a distância da barreira até o ponto de aterrissagem (1,50m ± 0,15m para os homens, 1,10m ± 0,17m para as mulheres). Esses dados também estão de acordo com estudos anteriores.
Uma passada típica de velocistas do sexo masculino tem 2,35m (± 0,08m), contra 2,14m (± 0,15m) no sexo feminino. Obviamente a passada de transposição não pode ter uma amplitude similar à de uma passada de provas rasas de velocidade. Todavia, se as outras três passadas forem parecidas com as da corrida de velocidade, uma amplitude semelhante deveria ser encontrada. No entanto, cada uma das outras três passadas é mais curta que a passada típica do velocista.
Para homens e mulheres, respectivamente, a passada de aterrissagem é 0,75m e 0,60m mais curta que a passada das provas de velocidade. A passada de recuperação é 0,30m e 0,15m mais curta, para homens e mulheres respectivamente. A passada preparatória é 0,45m mais curta para os homens, e 0,33m mais curta para as mulheres.
Essas diferenças na amplitude entre essas três passadas são resultado do objetivo especializado de cada uma delas. Quando os detalhes de cada passada entre as barreiras se revelarem, a causa para essas diferenças em amplitude se tornarão claras.
Figura 2: Amplitude das passadas
DURAÇÃO DAS PASSADAS
Cada uma das quatro passadas consiste de uma fase de apoio seguida de uma fase aérea. Dessa maneira, temos oito segmentos para cada ciclo de quatro passadas (veja a Figura 1 novamente). A Figura 3 detalha a duração relativa das fases de apoio e aérea como uma porcentagem do tempo total do ciclo de quatro passadas.
Entre os homens, a passada de transposição é responsável por 43% do tempo de um ciclo completo de quatro passadas, sendo 32% de tempo de vôo e 11% de tempo de apoio. A técnica entre as mulheres é semelhante: a passada de transposição compreende 41% do tempo total do ciclo, sendo que mais de 29% corresponde à fase aérea, e quase 12% à fase de apoio.
A fase aérea da passada de transposição contribui com cerca de um terço do tempo total de um ciclo completo de quatro passadas para os homens, e um pouco menos para as mulheres. Excluindo a saída e a fase de chegada, a passagem sobre a barreira representa aproximadamente um terço do tempo total da prova. Sendo assim, manter tanta velocidade horizontal quanto seja possível sobre a barreira é um fator altamente significante na determinação do desempenho final.
Figura 3: Duração relativa das fases de apoio e fases aéreas como porcentagem do tempo total de um ciclo de 4 passadas
CENTRO DE MASSA (ALTURA X TEMPO)A altura do centro de massa (CM) fornece informação adicional sobre a natureza especializada das três passadas entre as barreiras. A Figura 4 mostra a altura do CM X tempo de um barreirista típico do sexo masculino. Mulheres demonstram um padrão similar, embora o CM delas não suba tanto sobre a barreira, e atinja o ponto alto mais cedo. O ponto mais alto da trajetória parabólica do centro de massa está quase diretamente sobre a barreira na prova masculina (apenas 0,03m antes da barreira), enquanto para as mulheres está 0,30m antes da barreira.
A passada de transposição começa com um leve movimento descendente do centro de massa no início da fase de apoio (preto). Um grande movimento ascendente do CM (acima de 0,5m entre os homens) tem início após cerca de 25% da fase de apoio e continua até ao redor da metade da fase aérea, o que permite a transposição da barreira. Esse padrão descendente-ascendente do CM durante a fase de apoio da passada de transposição é similar ao encontrado na passada típica das corridas de velocidade, mas a trajetória nessa última durante a fase aérea é muito mais rasante.
O padrão de movimento do CM na fase de apoio da passada de aterrissagem é descendente-descendente, e continua descendente durante a fase aérea, não sendo similar à passada de velocidade. Após a fase aérea da passada de aterrissagem, o CM continua seu movimento descendente até a metade da fase de apoio da passada de recuperação. Isso significa que o CM "cai" ao longo de toda a passada de aterrissagem, tanto na fase de apoio quanto na fase aérea.
As passadas de recuperação e preparatória são similares à passada de velocidade nesse aspecto, com o CM cumprindo um movimento descendente durante o início da fase de apoio (preto) e ascendente durante a segunda metade. O padrão de movimento do CM é grosseiramente similar à passada de velocidade. Todavia, a duração da fase aérea de ambas é mais curta que os 0,112 ± 0,009 segundos reportados por MANN para o velocista típico do sexo masculino.
Com relação à excursão ascendente e descendente do CM, na passada de recuperação encontra-se a maior semelhança com a passada de velocidade. As variações e diferenças entre as quatro passadas são resultado dos objetivos especializados de cada uma.
Figura 4: Trajetória do centro de massa
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VELOCIDADE HORIZONTAL (DISTÂNCIA HORIZONTAL X TEMPO)
A velocidade horizontal durante o apoio (grd) e o vôo (air) das oito fases das passadas são mostradas na Figura 5. A manutenção da velocidade horizontal durante a prova nos valores mais altos possíveis é essencial para uma boa performance. A velocidade horizontal média dos barreiristas representam 85% (homens) e 90% (mulheres) de seus recordes pessoais em provas rasas (MATHEWS).
As alterações na velocidade entre as fases aéreas de cada passada são mostradas na Figura 6. Ocorre perda de velocidade horizontal durante a fase de apoio da passada de transposição. A maior parte da velocidade perdida é recuperada na fase de apoio da passada de recuperação, em ambos os sexos.
Durante as passadas preparatórias e de aterrissagem muito pouca velocidade pode ser recuperada, quase nada entre as mulheres. O "jogo" entre os movimentos ascendentes e descendentes do CM (alterações em velocidade vertical) requeridos pelo barreirista afeta simultaneamente a capacidade de gerar velocidade horizontal. A transposição da barreira cria condições únicas, não apenas na passada de transposição, mas também em cada uma das próximas três passadas.
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